Kocker – História além do instrumento

Emil Theodor Kocher (1841-1917)

Emil Theodor Kocher nasceu em Berna (Suíça), em 25 de Agosto de 1841. Seu pai era engenheiro e sua mãe dona de casa.

Graduou-se na Universidade de Berna e lá completou seu doutorado em 1865, tornando-se Catedrático de Cirurgia em 1872, com apenas 31 anos.

Kocher, que se considerava discípulo de Billroth e von Langenbeck, sucedeu ao Professor A. Lücke, que já havia demonstrado interesse na cirurgia da tireóide. Dois anos após a sua posse, em 1874, executou com sucesso duas tireoidectomias totais. A respeito da primeira dessas pacientes, Maria Rischel, Kocher observou que: “De acordo com seu médico, ele experimentou uma recuperação sem maiores incidentes por duas semanas após a operação, l e 6 a extirpação do bócio” , após o seu retorno ao lar.

No entanto, teve lugar uma marcante mudança em seu comportamento. Ela, que era uma criatura alegre e espirituosas, tornou-se obnubilada e preguiçosa. Devemos aprender com a evolução que ela experimentar daqui para a frente se existe alguma relação entre a alteração de seu estado mental e a extirpação 6 do bócio” . No 12º Congresso Alemão de Cirurgia, Kocher apresentou o caso de Maria Rischel com um seguimento mais prolongado, da seguinte forma: “…a respeito da 1ª tireoidectomia total por mim executada, em 8 de janeiro de 1874, Marie Rischel, de 11 anos, seu médico me informou que ela experimentou uma marcante alteração de sua personalidade após a operação. De fato, ela tornou-se cretinóide. Isso me pareceu tão importante que eu fiz todos os esforços para examiná-la, o que não foi tão fácil, pois seu médico faleceu logo após enviar-me a mensagem. Fiquei ainda mais ansioso após o informe de nosso colega Reverdin, de Genebra, sobre dois de seus pacientes que sofreram acentuada deterioração mental após operações semelhantes. Fiquei estupefato com o decaimento em que encontrei minha doente. Para cristalizar nos senhores minhas impressões, mostrar-lhes-ei fotos da paciente com sua irmã dois anos mais jovem, tiradas antes e depois da minha operação. Antes, ambas era tão parecidas que eram confundidas com freqüência. Contudo, enquanto sua irmã desabrochou, tornando-se uma linda mulher, minha paciente permaneceu pequena e feia, com uma aparência quase idiota. Assim que tomei conhecimento deste fato, convoquei todos os meus pacientes para que retornassem, para serem examinados!”

Ao acumular uma experiência pessoal de 34 tireoidectomias, Kocher publicou aquele que talvez seja o trabalho científico mais importante na história da técnica da tireoidectomia: Uber Kropfextirpation und ihre Folgen. Arch. Fur klinische Chirurgie, 29:254, 1883. É considerado um marco, pois nele foram estabelecidos com minúcias os princípios técnicos da tireoidectomia total e da lobectomia tireoidiana, virtualmente inalterados até os dias de hoje. Kocher teve a oportunidade de acompanhar 18 dos 34 pacientes; dentre eles, 16 apresentavam hipotireoidismo. Ele percebeu a similaridade entre esse quadro, que denominou de “cachexia strumi priva” e o cretinismo. Sem conhecer precisamente os mistérios da fisiologia tireoidiana, considerou que um “amolecimento” da traquéia poderia ser incriminado, bem como algum distúrbio da circulação cerebral . Textualmente, Kocher declarou que: “Acreditamos, portanto, que esse quadro seja determinado por um distúrbio da circulação cerebral, ao passo que a caquexia pode ser justificada pela dificuldade respiratória, que reduziria sobremaneira o fornecimento de oxigênio, fundamental para que a glândula tireóide possa influenciar na formação do sangue” .

Apesar das explicações que hoje sabemos incorretas, provavelmente foi este trabalho que levou Kocher a receber o Prêmio Nobel de Medicina no ano de 1909. De fato, foi o primeiro cirurgião a receber tão alta honraria, sendo sucedido por: Alexis Carrel (1912 – suturas vasculares), Robert Bárány (1914 – sistema vestibular), Sir Frederick Banting (1923 – insulina), Antonio Egas Moniz (1949 – lobotomia cerebral), Werner Forssmann (1956 – cateterização cardíaca), Charles Huggins (1966 – hormônios e câncer de próstata) e Joseph E. Murray 6 (1990 – transplantes de órgãos) .

Assim, as temíveis sepse, hemorragia, tetania e paralisia do nervo recorrente haviam dado lugar ao hipotireoidismo grave. Isso levou Kocher a abandonar quase totalmente a tireoidectomia total (reservada por ele para casos selecionados de cânceres agressivos), concentrando-se na remoção de apenas um lobo tireoidiano ou, no máximo, no que alguns chamariam mais modernamente de “near-total thyroidectomy”. Por que os pacientes submetidos à tireoidectomia total por Kocher apresentavam mixedema, mas não tetania, em contraste com aqueles operados por Billroth, nos quais ocorria 3 o contrário?

Segundo Becker , Halsted, que teve muito contato com ambos os mestres, inclusive em campo cirúrgico, afirmou em 1920: “Eu ponderei sobre essa questão durante muitos anos e concluí que a explicação provavelmente se encontra nas técnicas dos dois ilustres cirurgiões. Kocher, cuidadoso e preciso, sempre operando em um campo exangue, removia escrupulosamente toda a glândula tireóide, causando dano mínimo aos tecidos adjacentes. Billroth, operando mais rapidamente e, se a memória não me falha, com menos preocupação quanto à hemorragia, poderia facilmente ter removido as paratireóides ou, pelo menos, ter interferido com o seu suprimento sanguíneo, além de ter deixado mais restos tireoidianos.” em 1920: “Eu ponderei sobre essa questão durante muitos anos e concluí que a explicação provavelmente se encontra nas técnicas dos dois ilustres cirurgiões.

Em 1917, aos 76 anos, poucas semanas antes de sua morte, Kocher apresentou no Congresso Suíço de Cirurgia, sua experiência de 5.000 tireoidectomias, com mortalidade de 0,5%. É importante ressaltar que, embora as mais significativas contribuições de Kocher tenham ocorrido na área das doenças tireoidianas, ele era um cirurgião com habilidade e criatividade notáveis.

Nem mesmo Billroth demonstrou tal versatilidade de interesses. Suas contribuições individuais são por demais numerosas, indo de métodos para tratar ferimentos por armas de fogo, localização e tratamento de lesões raquimedulares, diversas operações ginecológicas, tratamento cirúrgico de doenças do aparelho genital masculino, fraturas e diversos aspectos de cirurgias abdominais. As técnicas operatórias que descreveu para herniorrafia, câncer de reto, mobilização do duodeno para exposição do retroperitônio, além da manobra para reduzir luxação escápulo-umeral são sobejamente conhecidas e ainda carreiam o seu nome.

Em 1912, Kocher doou 200.000 francos suíços de seu Prêmio Nobel ao Instituto de Pesquisa Biólógicas da Universidade de Berna, a fim de continuar fomentando a pesquisa na Instituição.

Foi casado com Marie Witchi (1851-1921). Tiveram três filhos, dos quais o mais velho, Albert (1872-1941), tornou-se Professor Assistente de Cirurgia e ajudou seu pai consideravelmente em sua obra. Emil Theodor Kocher morreu em Berna, em 27 de Julho de 1917.

O LEGADO DE KOCHER Kocher influenciou direta ou indiretamente inúmeros luminares da cirurgia tireoidiana, quer pelo contato direto, quer pela difusão de suas brilhantes contribuições. No início do Século 20, o pêndulo do conhecimento cirúrgico havia oscilado do Velho para o Novo Mundo, principalmente nos Estados Unidos e na Austrália.

Como já foi mencionado, alguns dos mais brilhantes cirurgiões, como William Halsted, Charles Mayo, George Crile e Frank Lahey, nos Estados Unidos e Thomas Dunhill, na Austrália, aperfeiçoaram e difundiram os princípios técnicos descritos por Kocher. William Halsted (1852-1922) foi um dos maiores expoentes da história da cirurgia norte-americana. Ele foi um amigo próximo de Kocher, com quem chegou a operar em Berna em diversas 7 ocasiões . De fato, o filho de Kocher, Albert, estagiou nos Estados Unidos com Halsted em algumas ocasiões.

Através de seu cargo de chefia do Departamento de Cirurgia da Johns Hopkins Hospital, foi um formador de opinião. Sua obra mais importante foi o livro: “The Operative Story of Goiter.” (Johns Hopkins Hosp. Rep. 19:169, 1920), um tratado de 166 páginas e 375 referências. Nele, Halsted dizia que: “A arte da operação tireoidiana foi tão perfeitamente desenvolvida por Billroth e Kocher que pouco resta para aperfeiçoá-la ainda mais.”

Algumas das principais contribuições de Halsted foram: consolidação dos princípios técnicos estabelecidos por Kocher e sua difusão nos Estados Unidos; trabalho monumental sobre enxertos de glândulas paratireóides; desenvolvimento de pinças hemostáticas apropriadas para cirurgia tireoidiana, que até hoje levam o seu nome; descrição de técnicas de anestesia local para a tireoidectomia, que reduziram sobremaneira a mortalidade.

Além disso, formou inúmeros futuros professores de cirurgia de grande importância nos Estados Unidos, destacando-se Harvey Cushing, considerado um dos pais da neurocirurgia e da cirurgia da glândula hipófise.

Indiretamente, Kocher exerceu marcante influência sobre mais esse gênio desbravador das fronteiras cirúrgicas; de cirurgia de grande importância nos Estados Unidos, destacando-se Harvey Cushing, considerado um dos pais da neurocirurgia e da cirurgia da glândula hipófise. Indiretamente, Kocher exerceu marcante influência sobre mais esse gênio desbravador das fronteiras cirúrgicas .

Charles H. Mayo (1865-1939) foi considerado o cirurgião com maior experiência em tireoidectomias de seu tempo. Fez sua primeira operação em 1889; em 1918, já acumulava 5.000 tireoidectomias. Em 1908, reportou 234 tireoidectomias para bócios tóxicos, com mortalidade de 6%. Seu parceiro clínico era Henry Plummer, que em 1913 caracterizou os dois tipos distintos de hipertireoidismo e, em 1923, foi o pioneiro no uso do iodo para o seu tratamento.

George W. Crile (1864-1943) foi um verdadeiro gênio da ciência cirúrgica. Doublé de cientista e cirurgião, acumulou uma enorme experiência em tireoidectomias. Publicou vários artigos sobre técnicas anestésicas e sobre o controle intra-operatório da tireotoxicose. Entretanto, sua maior contribuição ao conhecimento cirúrgico foi a descrição pioneira da sistematização técnica dos esvaziamentos linfonodais cervicais, num artigo que é também considerado um marco histórico (JAMA, 1906;47:1780-1786). Nele, Crile relatou sua experiência baseada em 132 operações para o tratamento de metástases cervicais, estabelecendo toda a base técnica do esvaziamento cervical radical que permanece praticamente inalterada até hoje e é considerada a operação característica da Especialidade de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, sendo um pré- requisito para a concessão do respectivo Título de Especialista. Frank H. Lahey (1880-1953) foi autor de mais de 150 trabalhos sobre cirurgia da tireoide. Acumulou uma experiência pessoal de mais de 10.000 tireoidectomias. Suas principais contribuições foram: descrição de uma técnica de secção dos músculos pré-tireoidianos, indicada na abordagem tática dos bócios muito volumosos; cuidados na exposição dos pólos tireoidianos superiores, a fim de minimizar complicações dos ramos externos do nervo laríngeo superior e da glândula paratireoide superior; conscientização da importância da visualização obrigatória das glândulas paratireoides e nervos recorrentes como melhor forma de evitar a sua lesão inadvertida durante uma tireoidectomia.

Thomas Peel Dunhill (1876-1953), também um dos discípulos de Kocher seria “O homem esquecido da tireoidectomia” . Realizou as primeiras tireoidectomias na Austrália. Na verdade, teve a coragem de operar com êxito tireoidectomias em doentes com cardiotireotoxicose que haviam sido desenganados por outros cirurgiões famosos de sua época. Sua publicação mais importante descrevia a metodização de tireoidectomias sob anestesia local, publicadas em The Lancet, em 17 de Fevereiro de 1912.

Assim, fica clara a magnitude do legado do magnífico Theodor Kocher, cuja grandeza talvez seja mais bem expressa por uma frase a ele atribuída por seus discípulos: “… cirurgiões que assumem riscos desnecessários e operam apostando corrida contra o relógio parecem excitantes sob o ponto de vista de um observador incauto; contudo, eles não são necessariamente 9 aqueles em cujas mãos você preferiria se colocar…”

Emil Theodor Kocher, modificou as pinças de Péan, colocando um dente que fazia com que a pinça – depois de fechada prendendo um vaso no meio de tecido gorduroso ou fibroso – não escorregasse.

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