Transplante de mão: “O risco do pioneirismo”

A história dos transplantes é um capítulo muito importante no longo livro da medicina. Os transplantes revolucionaram toda uma época, mas para chegar ao ponto em que estamos hoje não foi fácil.

Riscos foram assumidos, vidas foram perdidas, tudo como forma de tentativa de fazer um transplante bem-sucedido. Assim como vários outros pontos na evolução da medicina.

No post de hoje, vamos conhecer um pouco de um período mais recente da história da medicina. O transplante de mão.

Transplantes de órgãos internos já são muito bem aceitos por toda a sociedade, porém não podemos dizer o mesmo qdo o transplante é de uma parte aparente do corpo. Esse assunto ainda envolve opiniões divergentes e resultados nem sempre totalmente satisfatórios.

Leia este trecho do livro “Sangue e entranhas: a assustadora história da medicina” e veja como o transplante de mão começou.

O relato é do autor do livro Richard Hollingham, jornalista especializado em medicina e ciência.

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“Nem todas as cirurgias têm um final assim tão feliz. O problema sobre cirurgias pioneiras é que podem, e frequentemente isso ocorre, terminar mal. O preço de fazer primeiro é que, de maneira geral, os que vêm depois são beneficiados pelas lições aprendidas anteriormente. A história da cirurgia é repleta de casos de pacientes que morreram durante procedimentos experimentais. Muitas vezes, uma série dos que foram tentados não passaria pelo crivo de um moderno Comitê de Ética.

Para ser justo, o problema nem sempre reside na equipe de cirurgia. Tomemos o caso de Clint Hallam, o neozelandês, que se tornou o primeiro homem a ter um “bem-sucedido” transplante de mão. A cirurgia aconteceu na França, em setembro de 1998, e me lembro vividamente de ter ficado impressionado e ligeiramente perturbado quando vi as notícias publicadas em toda a parte. Eu não sabia, naquele primeiro momento, que me envolveria – até o ponto da obsessão – com a história de Clint que se desenrolou como uma tragédia grega.

Em 1998, muitas pessoas já estavam aculturadas com a ideia de compartilhamento de partes do corpo, desde que fossem internas. Coração, fígado, rins, pulmões – todos já eram há bastante tempo órgãos eminentemente respeitáveis para transplante. O principal problema a respeito era relativo a seu limitado suprimento. Quem iria buscar o órgão quando estivesse disponível ? É certo pagar por eles ? As principais preocupações estavam concentradas em perguntas como essas.

Subitamente, nos estávamos nos defrontando com algo muito diferente. Não apenas quanto ao órgão transplantado, a mão, obviamente à amostra, mas porque a cirurgia em si era vista como algo “cosmético”. Você não pode viver sem coração ou pulmões, e sem rins sua qualidade é pobre. Seguramente, por outro lado, você não poderia funcionar perfeitamente bem sem a mão ? O custo de manter um órgão transplantado é alto. Os medicamentos que evitam a rejeição reduzem em cerca de 10 anos a sua expectativa de vida. Muitas pessoas acharam que realizar um transplante de mão era indefensável do ponto de vista moral.

Quem contra-argumentava – dizendo que o paciente tinha de ter o direito de escolher se era preferível viver 30 anos com duas mãos biológicas de 40 com apenas uma – não foi em nada ajudado pelo que aconteceu em seguida. Primeiro, surgiu a notícia de que o receptor tinha um passado criminal (ainda que por uma fraude fiscal de pequena importância ), e depois porque as coisas a dar errado com a mão transplantada. Clint parou de tomar seus medicamentos e o braço começou a rejeitar o órgão estranho.

Naquele tempo, eu estava fazendo uma série de programas para a BBC e enviei um produtor a Perth, no oeste da Austrália, para gravar uma entrevista com Clint. A mão transplantada tinha uma aparência terrível, semelhante a uma luva de borracha vermelha, não a algo humano. Não podia ser usada para nada mais sofisticado do que segurar uma escova de dentes e e ficou bem claro que o paciente, agora, odiava isso. Admitiu que as pessoas o rejeitavam e que estava pensando em pedir que fosse removida. No entanto, ele ainda parecia esperar – de alguma forma totalmente fantasiosa – que pudesse ser salva.

Uma no depois, eu estava em voo de volta a Londres, partindo da Califórnia, quando percebi que Clint estava no avião. Conversamos, e ele me contou que justamente fazia aquela viagem para ter a mão removida. A situação chegara a ponto de que ela não estava com problemas, mas sim apodrecendo. Ele finalmente aceitou que aquela parte morrera e que o sonho chegara ao fim. No dia seguinte, de fato, a cirurgia foi feita pelo cirurgião Nadey Hakim.

Então, por que deu errado o primeiro transplante de mão feito no mundo ? Quando fiz essa pergunta a Clint, ele admitiu que não foi um paciente-modelo, mas sentia que a equipe médica e cirúrgica francesa não o preparara adequadamente para o que viria depois dos procedimentos iniciais. Em particular, criticava o fato de que a mão escolhida pelos cirurgiões não era em nada semelhante à dele, em tamanho. “Eu fiquei profundamente irritado com os doutores e ainda estou porque eles não calcularam bem.Era totalmente diferente da minha outra mão.”

Não obstante, Clint me disse que ele não se arrependia de ter feito a cirurgia e que recentemente procurara alguns cirurgiões especializados em transplante oferecendo-se como candidato a outra tentativa. É desnecessário dizer que não houve pressa nenhuma em colocá-lo em uma lista de espera.

Desde a experiência com ele, foram realizados mais de 30 transplantes de mãos bem-sucedidos. Fui a Louisville, Kentucky, para conhecer um dos pacientes mais recentes e tentar entender o que faz a diferença entre sucesso e fracasso. A caminho do hospital, conversei com o motorista de táxi, que me levava, a respeito de sua visão sobre os transplantes. Ele achava que não deveria haver limites e que tudo deveria ser decidido pelo paciente, pelo doador e pelo cirurgião. Por estranho que pareça, no entanto, ele se mostrava preocupado sobre a origem do doador: “Eu não gostaria de ter um órgão de algum condenado que estivesse no corredor da morte, porque não gostaria de ter genes malignos introduzidos em meu corpo.”

O cirurgião que lidera a equipe de transplantes do Hospital Jewish, em Louisville, é o Dr. Warren Breindenbach. Charmoso e hiperativo, ele acredita que o que permitiu à especialidade ir tão longe o começo; para ele, nenhuma parte do corpo é não transplantável.

 

Dr. Warren Breindenbach, ao centro.

Voltando a 1998, Warren e sua equipe eram considerados bastante aptos a realizar o primeiro transplante de mão. Clint viajara até Louisville, oferecendo-se como paciente para os americanos. No mesmo ano, exatamente a 23 de setembro, Warren estava em NY para encontrar Clint e falar com ele a respeito da possibilidade, quando ligou a TV e descobriu, com evidente surpresa, que seu candidato a paciente não apenas estava em Paris como já havia feito o transplante. Os franceses tomaram a dianteira. Quando perguntei a Warren se ele se sentiu desapontado, ele respondeu: “Penso que todo ser humano gosta de liderar, mas sempre digo a meus colegas de equipe, enfatizando muitas vezes o mesmo ponto: não importa quem faça primeiro, o que realmente conta é quem faz melhor.”

Desde 1998, Warren realizou 3 transplantes de mão e o último talvez seja o mais extraordinário. Em novembro de 2006, ele liderou uma equipe de cirurgiões responsável pela colocação da mão direita de David Savage, um homem de 54 anos de idade. O inusitado, neste caso em particular, é que o paciente perdera o membro em um acidente industrial que acontecera há 32 anos. Como Warren explicou isso tornou a missão ainda mais difícil: “Enfrentamos problemas novos e desconhecidos e a analogia que considero mais próxima do desafio é a de ter deixado nossa casa fechada por 32 anos e então voltar com a firme decisão de tomar um banho. Você abre a torneira e ela pode engasgar, lançando jorros espaçados… a coisa pode ou não funcionar no sentido de obter um fluxo contínuo de água. Então, o que tivemos foram alguns jatos de sangue, a princípio, enquanto tentamos fazer com que a mão transplantada fosse bem irrigada. Mas funcionou.”

Finalmente, a cirurgia foi um sucesso do ponto de vista técnico mas fiquei imaginando se David, ao contrário de Clint, estava realmente se sentindo confortável com sua nova mão. Quando o conheci e à sua esposa, Karen, fiquei imediatamente surpreso de como o membro operado era totalmente diferente do original. A estrutura corporal do paciente era grande, poderosa, e sua pele bem morena, com pelos escuros no antebraço, enquanto a nova mão era pequena, pálida e mais delicada.

Perguntei a David se ele achara estranho ter consigo a mão de alguém que morrera, e ele disse “não”. Desde a cirurgia ele sentiu que agora o membro fazia parte dele. Então questionei se ele considerava a possibilidade de que a mão tivesse pertencido a uma mulher; ele disse sim, porém, que não se importava com isso. Realmente desconcertado, ele notara que as unhas da nova cresciam duas mais vezes mais rápido do que as de sua própria mão, mas seu sentimentos preponderantes eram de gratidão pela família do doador desconhecido.

Ele estava indubitavelmente feliz por ter feito a cirurgia e otimista sobre o futuro. Quando eu o observei durante uma sessão de fisioterapia, comecei a perceber por quê. Ele podia pegar coisas, levantar objetos e manipular ferramentas. Tinha cerca de 60% da função de um membro normal e, com mais exercícios, ele poderia chegar aos 80%.

Os nervos que produziam sensações estavam em crescimento e a sensibilidade aos poucos se manifestava. Ele descreveu, com uma satisfação imensa alguns dos prazeres mais singelos de ser capaz de usa as duas mãos, novamente: “Em setembro passado fui à festa de aniversário de minha neta e o fato de simplesmente poder abraçá-la e levantá-la provocou em mim um sentimento fantástico.

Warren Breindenbach acredita que o sucesso de uma cirurgia a paciente que colaboram. “Não basta ter um bom cirurgião. Se faz tudo direito, mas o paciente, quando for para casa, não usar a mão, não fizer fisioterapia, o resultado será péssimo. A fisioterapia e a cooperação são extremamente importantes, e realmente David tem sido um paciente excelente.”

O exemplo de David fez com que eu questionasse meu ceticismo inicial a respeito dos benefícios desse tipo de cirurgia. Não estou convencido de que, em semelhantes circunstâncias, eu optaria por um transplante, mas certamente posso ver por que, para ele, foi um êxito.”

Difícil não é mesmo ?? Opiniões divididas mas mesmo assim a medicina e a cirurgia continuam sua jornada rumo à evolução !!

 Instrumentadoras de Plantão

 

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