O Físico; Autor: Noah Gordon; Tradutor: Aulyde Soares Rodrigues; Editora: Rocco; 596 páginas
O Físico é um livro que, segundo o próprio autor Noah Gordon “é uma história na qual apenas dois personagens, Ibn Sina e al -Juzjani realmente existiram.”, e ainda que , “Onde os registros não existem ou são obscuros, não hesitei em fazer uso da ficção; assim, deve ficar claro que se trata de uma obra da imaginação e não um trecho da história. ” Dessa forma, a obra é um livro de ficção inspirada em personagens históricos. Você deve estar se perguntando o por quê do título se chamar O Físico e não O Médico, foi um equívoco de tradução na época pois a palavra physician de inglês remete a médico foi confundida com physicist que significa físico.
Os elementos estão todos costurados com maestria: muito romance, aventura, fatos históricos, o cenário da Idade Média e das Cruzadas; além do fascínio ocidental pelos mistérios do oriente. Só a citação dessa lista já faria de “O Físico” um livro imperdível para quem aprecia ao menos alguns dos ingredientes descritos acima. Mas Noah Gordon, não satisfeito em reunir tantos ícones do imaginário literário em um único livro, ainda é um bom contador de histórias. Uma verdadeira encarnação masculina de Sherazadi. As quase 600 páginas do livro avançam quase que de um só fôlego e o leitor fica querendo mais.
A pretensão de Gordon não é contar em termos precisos e didáticos a história da origem da medicina, mas narrar a grande aventura que era ser médico numa época em que enquanto o Oriente era vanguardista e concentrava além de grande riqueza material, uma ainda maior intelectual; o Ocidente afundava em reinados sangrentos e corruptos e nos medos impostos por um cristianismo amargo e inquisidor que impedia acima de tudo o avanço da ciência que coloca a existência de Deus em xeque. A partir da saga do jovem Rob, o autor romanceia o que deve ter sido a realidade de muitos homens – e mulheres – de carne e osso naqueles tempos árduos. Havia um conflito profundo entre ciência e fé, como ainda hoje existe. E todos os lados da questão são abordados com grande propriedade e leveza pelo escritor.
E certamente um dos melhores livros de ficção de todos !!!
O livro começa retratando a infância de Robert Jeremy Cole , filho do carpinteiro Nathanael e de Agnes Cole. Agnes Cole era filha de um pequeno proprietário rural, que deu estudo a sua filha na esperança de lhe conseguir um bom casamento, o que de fato não ocorreu, já que ela acabou casando com um simples carpinteiro. O fato da mãe de Rob ter estudado fazia dela uma mulher “mal falada”, sendo acusada de bruxaria, e de que sua última gravidez traria um filho do diabo. Essa passagem mostra um pouco da mentalidade de uma sociedade europeia no início d o século XI, dominada pela igreja católica,
crenças, superstições e maldições. É nesse contexto que Rob tem a primeira experiência de sentir a morte, quando toca a mão de sua mãe, gravemente doente devido a um parto complicado, e sente que ela irá morrer, um fato que se confirma no dia seguinte. Pouco tempo após a morte de sua mãe, seu pai também morre, afetado por uma pneumonia, decorrente das péssimas condições de trabalho a que era exposto.
O interessante aqui é que a mãe de Rob J. Cole morre em decorrência de uma doença, que na época, era conhecida como “a doença do lado”. No início do livro não é possível imaginarmos o que pode ser essa “doença do lado”, ou se isso seria um termo de ficção criado pelo autor. Essa “doença” fica muito bem registrada na cabeça do jovem Cole, que então é adotado por um barbeiro-cirurgião chamado Henry Croft, também órfão após seus pais serem assassinados por Vikings durante uma invasão.
O Barber ensinou a Rob o seu ofício, sua prática curativa que era, na verdade a mais pura charlatania. Para atrair os clientes, os barbeiros faziam uma demonstração de malabares, mágicas e teatro, tudo para conseguir
vender suas receitas milagrosas, suas garrafadas curativas que prometiam curar todos os males. Quanto Rob já dominava as práticas artísticas, começa a aprender a manipular ferimentos e fazer consultas. É interessante notar que quando o Barber atende seus pacientes, ele relata a causa das doenças como humores
da terra, pecaminosos, reforçando novamente o conceito vigente de doença. Durante estas consultas, Rob é acometido novamente pela mesma sensação que previu a morte de seus pais, dessa vez, o medo de ser acusado de feitiçaria ou de ter sido tocado pelo demônio toma conta do jovem.
Rob então conhece o médico de Tettenhall, Benjamim Merlin, que consegue curar a catarata de um homem diante de seu s olhos, e conta que aprendeu essa técnica numa escola de médicos.
Ao 19 anos, Robert percebe que deve seguir seu caminho como barbeiro-cirurgião sozinho, mas o Barber morre antes da separação, deixando todos seus equipamentos de herança para o jovem barbeiro. Em uma de suas andanças, o jovem reencontra o médico judeu, que o ampara após um parto difícil de uma camponesa. Rob fica abismado quando Henry lhe conta sobre as “cesarianas” que ele realizara, e reencontra o homem operado pelo médico curado da catarata. A partir desse momento, Rob começa a acompanhar os
atendimentos de Henry, obstinado a aprender um pouco daquelas técnicas diferentes do que costumava a fazer como barbeiro-cirurgião.
O médico judeu fica intrigado com o interesse de Rob em se r médico, já que ele ganharia menos e trabalharia mais, mas Rob explica sua angústia ao ver tantas pessoas que o procuram e pelas quais ele, com seu conhecimento de barbeiro-cirurgião, não pode ajudar.
Determinado, agora Robert começa a procurar meios de ir até o oriente estudar medicina, e então conhece outro médico judeu, Isaac Adolescentoli , que recusa ser seu professor, assim como Henry fizera anteriormente pelo fato de Rob ser cristão.
Rob Cole toma então a decisão mais arriscada se sua vida para realizar seu sonho: decide se misturar a judeus, aprender seus costumes e a prática de sua religião e se lança à aventura de ir para o oriente em busca do maior médico de todos os tempos , Ibn Sina (Avicenna), tendo em mente o objetivo de ser seu aprendiz.
Nesta época, a escola de médicos, por ser essencialmente muçulmana, somente aceita alunos muçulmanos e judeus. Mas isso não impede o jovem Cole de iniciar sua viagem em direção ao seu sonho: ser médico. Sem defender ou demonizar nenhum dos três credos e sem deixar de apontar as origens históricas para cada um dos bens – e dos males – que deles resultam, ele transfere para o olhar estrangeiro de Rob Cole a mistura típica de fascínio e repulsa que acomete qualquer pessoa que é tirada de uma cultura e um modo de pensar e confrontada com outra.
Rob se mistura a um grupo de Judeus e tenta aprender sua cultura, religião, língua e costumes, tendo como guia Simom benha-Levi. Mesmo quando apaixonado pela jovem Mary Margaret, Rob abre mão de seu casamento com ela e da herança das terras de seu pai para buscar seu objetivo maior, ser aluno de Ibn Sina. Ele deixa a barba crescer, cultiva cuidadosamente um peoth e compra vestes judaicas, cercado pelo medo de ser castigado por Deus por tamanha heresia. Assume então uma nova identidade, Jesse ben Benjamin, de Leeds.
E a aventura para chegar à Pérsia começa. Cole passa por muitas situações difíceis, principalmente por ter que “fingir” ser de uma religião à qual ele não pertence. Mas Cole é muito inteligente. Seu argumento para as situações em que não sabe o que fazer como judeu, é de que na Inglaterra, a religião se modernizou e nem todos são tão ortodoxos como no oriente. Isso acaba por convencer àqueles que faziam perguntas.
Sua determinação e coragem são incríveis, pois o fato de ser um cristão fingindo-se judeu, poderia trazer consequências drásticas caso ele fosse descoberto. Mas ele não se detém. Segue adiante e confia em sua meta de ser médico e ajudar pessoas. A viagem até a Pérsia dura sabe quanto tempo ? 2 anos !!! Isso mesmo, 2 anos !!! E tudo isso sem a menor garantia de ser admitido na escola de médicos. Rob J. Cole é um exemplo de determinação e esforço para todos nós !!!
Rob finalmente chega à Pérsia. Chegando a escola de medicina, é espancado e preso por se recusar a ir embora quando lhe foi dito que ele não poderia estudar medicina naquela escola por não ter indicação ou familiares médicos. Enquanto era torturado na prisão, soube que o Ala Xá recebia pessoas com seus pedidos, e assim que foi liberto, resolveu ir até ele. Contou o episódio em que Ala-al-Dawla Xá, lhe salvara a vida matando uma pantera que prestes a matar Rob. Pede então que o Xá, seguindo os escritos que dizem “que quem salva uma vida é responsável por ela”, se responsabilize por ele e o ajude a cursar medicina. O Ala Xá, satisfeito pela popularidade de seu feito heroico não só faz com que ele receba os cumprimentos e felicitações de Abu Ali at -Husain ibn Abdullah ibn Sina, de admissão na escola de medicina, como lhe dá moradia, moedas e uma égua.
Rob se destaca em algumas atividades, com o sangrias, reduções de fraturas, curativos, tudo que ele já estava mais que acostumado a realizar como cirurgião barbeiro. Há também a descrição das aulas de anatomias que
usavam animais, e a proibição de qualquer mutilação no corpo de pessoas mortas. Ao atender alguns pacientes da ala de tumores, Rob anuncia a morte de um homem, que se confirma no dia seguinte e chama a atenção de Ibn Sina, que lhe encoraja a se de dicar mais aos estudos e transpor os obstáculos de sua pouca formação filosófica.
Alguns questionamentos permeiam a cabeça d e Rob, com relação à proibição da manipulação e estudo de corpos humanos, mas livre aceitação da mutilação de presos e condenados.
Rob cria laços de amizade com seus colegas Karim e Mirdin, que se reforça quando eles são enviados para tratar a peste em uma situação calamitosa. A descrição dos corpos amontoados e da sensação de desespero das pessoas é retratado de maneira cinematográfica, sendo impossível não remeter a trechos de filmes que retratam a peste na idade média.
Ibn Sina tem Rob como seu aluno favorito, e Rob começa a frequentar constantemente a casa do mentor. É
então que Rob reencontra Mary ao atender seu pai que está gravemente doente, e acaba falecendo. Mary pede a Rob que volte com ela, mas tomado pelo seu senso de responsabilidade não aceita, abdicando novamente de sua felicidade ao lado de Mary para exercer a medicina. Não querendo perder totalmente Mary, eles se casam secretamente com a promessa de se reencontrarem em breve.
Contrariando as leis islâmicas, Rob começa a fazer dissecações em corpos humanos para estudar anatomia, e consegue investigar em 6 pacientes diferentes o que era conhecido como doença perfurante abdominal, a “doença do lado”, determinando sinais, sintomas e evolução. Desenhava suas descobertas, ossos, músculos, tendões, e começou a ver em vários corpos alterações que acusavam a causa da morte, e apesar do medo de ser descoberto, ele não conseguia parar de fazer as dissecações, impressionado com o quanto aprendera.
Em meio a isso ocorre a guerra entre persas e afegãos, em meio a guerra, Ibn Sina morre de câncer de intestino.
Rob, que afinal se torna médico (Hakim) e Mary voltam para a cidade natal de Rob, e ele busca reencontrar a sua família . Quando começa a atender, é surpreendido pela pressão para cobrar um preço semelhante ao que os demais médicos ingleses cobravam , o que lhe causou certo estranhamento, já que na Pérsia os médicos não cobravam pelas consultas.
Na Escócia, Rob consegue ter u m espaço para fazer seus a tendimentos, e leva seus filhos para aprender o ofício, lhes ensinando a cuidar dos doentes. Percebe então que seu filho de 7 anos tem o mesmo dom que ele, de sentir a vitalidade das pessoas. O livro termina com Rob e sua esposa envelhecendo e seus filhos crescendo, e Rob nunca abandonaria seu ofício de curar, a preocupação pelos doentes e a vontade de ajudar.
Daí em diante, cada primogênito da Família Cole se tornaria médico por gerações e mais gerações !!!
Mas …. lembra da tal “doença do lado” ?? Então, em suas dissecações às escondidas, de pacientes que pereceram pelo mesmo mal, Rob J. Cole acaba por descobrir o que acometia as pessoas com essa doença até levá-las à morte. Então deixamos para a curiosidade de vocês, o gostinho de quero mais, para descobrir no livro a tal doença !!! 😉 Vocês vão se surpreender !!! Quem já leu o livro não vale contar hein ??
Esperamos que essa resenha os motive à leitura do livro e desejamos boa leitura à todos !!!
Instrumentadoras de Plantão
Colaboração:
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA – CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – CURSO DE MEDICINA – HISTÓRIA DA MEDICINA; Acadêmica: Carla da Cruz Teixeira; Professor: Luis Augusto P. Bassi; Santa Maria, 28 de novembro de 2013.
2. Editora Rocco.