Medicina e Arte: Icterícia em Obra de Caravaggio

Pequeno Baco Doente (italiano: Bacchino Malato [1594]), é uma pintura de Michelangelo Merisi da Caravaggio realizada em meados de 1592, durante os primeiros anos de Caravaggio em Roma, período no qual o artista esteve extremamente doente e passou seis meses internado no hospital de Santa Maria della Consolazione.

Pequeno Baco doente (Bacchino Malato) (1594). × Óleo sobre tela, 67 × 53 cm.

Galleria Borghese, em Roma, Itália.

O sinal externo da afecção de Baco (isto é, Caravaggio) é icterícia, como pode ser visto a partir dos tons de pele e da esclerótica, os quais correspondem aos dos pêssegos na mesa em frente a ele.

A icterícia, definida como coloração amarelada da pele, escleróticas e membranas mucosas devido à deposição de pigmento biliar nesses locais, reflete perturbações na produção e/ou em passos do metabolismo/excreção da bilirrubina, sendo manifestação clínica de numerosas doenças hepáticas e não hepáticas.

De acordo com a publicação médica norte-americana Clinical Infectious Diseases (2009), a doença sofrida por Caravaggio neste período é malária, que pode cursar com icterícia decorrente da destruição das hemácias pelo plasmódio, ocasionando uma produção exagerada de bilirrubinas.

Dois anos mais tarde, quando já completamente curado, o artista também se retratou em Jovem Baco (1596), um espécime completamente saudável.

Baco (1596). × Óleo sobre tela, 95 × 85 cm.

Galleria degli Uffizi, Florença.

Por que ao ver a icterícia como manifestação da sua doença, Caravaggio escolheu retratar-se assim, como Baco?

Pequeno Baco Doente é um autorretrato duplamente autobiográfico. Considerado um alcoólatra crônico, o italiano, extremista, era temido nos botecos da cidade, onde constantemente arrumava brigas. Autor de obras de inigualáveis belezas, Caravaggio tinha tanto talento e habilidade quanto vícios e paixões. Baco, – deus do vinho, da ebriedade e dos excessos –, é a imagem viva de sua eterna ressaca, do destemor de um farrista inconsequente.

Além disso, para manifestar sua arte, o artista buscava inspiração entre os moradores de rua, prostitutas e alcoólatras; pessoas não consideradas pela sociedade como de nobre estirpe mas que, para Caravaggio, tinham grande expressão. Sabe-se que uma das etiologias mais comuns de doença hepática é a alcoólica. Presumivelmente, nesse meio, o artista conviveu com muitos portadores de hepatopatias alcoólicas (associando-os ao deus do vinho), ictéricos, consumidos pela insuficiência hepática conseguinte a cirrose.

Com traços peculiares ao estilo barroco, o pintor nos surpreendente passando, através da fisionomia e a inclinação da cabeça, uma sensação muito real do sofrimento provocado pela doença.

Via Portal Arte Médica

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